ArtigoCidadeDestaque

O que o Planejamento Urbano tem a ver com as enchentes?

Nos últimos dias, várias cidades de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro foram castigadas com as fortes chuvas. Manhuaçu (MG) possui histórico de enchentes com piores registros em 1979, 1985, 1997, 2009 e 2020, praticamente uma por década.

Alagamentos fazem parte do regime natural do rio, porém as enchentes e as inundações tornam-se problema quando há ocupações em suas margens e impermeabilização do solo, ou seja, o respeito das áreas não edificantes e de Preservação Permanente visa impedir que as edificações sofram com as inundações. Da forma como as cidades são organizadas, sempre estarão vulneráveis a inundações e os moradores de Manhuaçu e de tantas cidades vizinhas sentiram “na pele” as consequências de anos de ocupações indevidas.

1979 – Arquivo: Casa de Cultura

O acelerado processo de urbanização em Manhuaçu resultou no desrespeito ao meio ambiente. O Rio Manhuaçu, que significa Rio Grande, foi marcado por aterros para construções de vias, residências, comércios e instituições, passando a se tornar um “rio pequeno” na parte central da cidade. A trajetória de subsequentes alterações em seu leito combinada com grandes volumes de chuvas resultou em diversos episódios de tragédias, porém todas anunciadas.

O anúncio se deu pela permissividade na construção dessas edificações ao longo da história e pelo não cumprimento de Leis Federais que definem as áreas não edificantes, principalmente a Lei 6766/1979 (Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano) e a Lei 12.651/2012 (Código Florestal, que altera leis de 1965, 1981, 1989, 1996, 2006 e 2011). O registro das primeiras ocupações ao longo do rio se dá desde meados do Séc. XX, ou seja, a maioria das edificações foi construída após a vigência das leis, ignoradas pelos moradores, construtores e Poder Público.

Manhuaçu não possui Lei de Uso e Ocupação do Solo. O projeto de lei foi entregue no final de 2016 à Câmara Municipal, mas ainda não foi aprovado. As leis urbanísticas têm função de preservar a natureza e a população, contudo, muitas vezes, é vista como um impedimento ao desenvolvimento urbano. Mas não seria mais eficaz e seguro fazer cidades em harmonia com a natureza?

1997 – Arquivo: Casa da Cultura

Provavelmente o episódio do último final de semana irá repetir-se na história de Manhuaçu, pois é praticamente impossível que haja uma desapropriação em grande escala. Porém, um bom planejamento evita que novas áreas da cidade sejam atingidas. Algumas outras medidas também podem atenuar o problema, como: substituição do asfalto por pavimentos permeáveis em vias locais; criação de lagoas pluviais para armazenamento da água das regiões mais elevadas, para evitar que toda água escoe velozmente para o rio; construções de cisternas nas edificações; definição de áreas permeáveis por lotes; constante limpeza do rio para evitar assoreamento; conscientização da população para que não descarte objetos no rio e nas ruas; construção de praças e parques e arborização das calçadas, para aumentar as áreas permeáveis; entre tantas outras soluções que, a médio e a longo prazos podem diminuir os chamados “desastres ambientais”.

Medidas paliativas e emergenciais são necessárias, mas não resolvem os problemas maiores. Somente com um conjunto de ações que envolvem diversos agentes urbanos que o histórico de enchentes pode ser mudado no futuro. Precisamos discutir as leis urbanísticas, planejar, executar, fiscalizar e cumprir. A responsabilidade é de todos nós.

Lidiane Espindula
Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFES) e Paisagista (UFLA).
Docente do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Unifacig.

Comentários

Mostrar mais

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo