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Fugindo de crise, venezuelanos buscam emprego e vida nova em Manhuaçu

A crise na Venezuela vem ganhando contornos de tragédia há alguns anos. A violência esvazia as ruas das grandes cidades quando anoitece. E a situação provocou um êxodo em massa para países vizinhos. A Venezuela vive a maior recessão de sua história: são 12 trimestres seguidos de retração econômica, segundo anunciou em julho a Assembleia Nacional, o parlamento venezuelano, que atualmente é controlado pela oposição. Em agosto, a Organização Internacional para as Migrações, ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), disse que o aumento do número de pessoas deixando a Venezuela por causa do colapso econômico hiperinflacionário faz o momento de crise estar próximo ao dos refugiados e migrantes que atravessam o Mediterrâneo rumo à Europa. A dimensão do colapso pode ser vista nos números do Produto Interno Bruto. Entre 2013 e 2017, o PIB venezuelano teve uma queda de 37%. O Fundo Monetário Internacional prevê que, neste ano, caia mais 15%.

Em todo o mundo, o número de refugiados e migrantes que deixaram a Venezuela nos últimos anos devido à crise político-econômica atingiu a soma de 3 milhões de pessoas. O dado foi divulgado no dia 8 pelas agências das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) e para Migrações (OIM). Segundo o levantamento, baseado em dados enviados pelas autoridades nacionais de imigração, a maior parte dos migrantes (2,4 milhões) se deslocou para países da América Latina e do Caribe. Também há registro de chegada dos refugiados da Venezuela a países da América Central, como o Panamá, onde vivem 94 mil venezuelanos. A Colômbia é o país vizinho que tem mais venezuelanos abrigados: mais de 1 milhão de migrantes. Os outros países com maior número de venezuelanos são: Peru (meio milhão), Equador (220 mil), Argentina (130 mil), Chile (100 mil) e Brasil (85 mil).

O acesso de migrantes venezuelanos por terra ao Brasil é mais difícil pela densidade de floresta amazônica na fronteira. A cidade mais acessível é Pacaraima (Roraima), que acabou concentrando a grande maioria dos migrantes que cruzaram a linha entre Venezuela e Brasil. E a porta de chegada dos migrantes é uma região pouco habitada e com ausência de infraestrutura adequada, tendo em vista que é uma região onde a infraestrutura é muito precária e numa área pouco povoada. Então, a entrada de 50 mil venezuelanos cria um tipo de pressão política e sobre a infraestrutura que nunca aconteceria se eles estivessem chegando por São Paulo ou o Rio de Janeiro, por exemplo.
Em 2010, Pacaraima tinha cerca de 10 mil habitantes segundo o IBGE; mas, segundo já afirmou em entrevistas o prefeito da cidade, Juliano Torquato, os serviços municipais chegam a ter que atender um volume de pessoas cinco vezes maior do que sua população. A cerca de 15 quilômetros de sua cidade-irmã venezuelana, Santa Elena de Uairén, Pacaraima é ponto de chegada para refugiados por apresentar uma “fronteira-seca”, ou seja, sem obstáculos naturais. Dali, muitos seguem para a capital de Roraima, Boa Vista, a cidade que mais recebe venezuelanos no Brasil. A imigração foi intensificada a partir de 2016, após uma série de protestos pedindo a saída do presidente Nicolás Maduro do poder. No ano anterior, a oposição ao regime chavista havia conquistado maioria no Legislativo – que, posteriormente, teve seu poder restrito pelo Tribunal Superior de Justiça, aliado ao presidente. Hoje, o país vive uma crise econômica e social sem precedentes.
No dia 18 de agosto deste ano a família de um comerciante em Pacaraima relatou à polícia de que este teria sido assaltado e espancado por quatro venezuelanos. A notícia se espalhou e grupos de moradores da cidade se organizaram – através das redes sociais, segundo veículos como o site G1 – para atacar acampamentos de venezuelanos.
Homens e mulheres, armados de pedras e paus, destruíram e indenciaram tendas e pertences dos imigrantes, levando vários deles a fugir. Segundo o comando da força-tarefa, cerca de 1,2 mil venezuelanos cruzaram a fronteira de volta para o seu país. Esta situação é apenas uma entre várias que ocorreram na cidade fronteiriça – desde o aumento da migração a partir de 2016, mas ganhou contornos de guerra na cidade de Roraima.

Uma nova esperança

Para o venezuelano Samuel Juárez, Manhuaçu não era sequer um ponto no mapa. “Nunca tinha ouvido falar”, diz. Ele saiu de sua cidade, há cerca de duas semanas. Ele veio com sua mãe, Florángel Rojas Fariñah, através da ajuda de seu irmão mais velho e do Pastor Sérgio Veiga – diretor da DAREI. Faz duas semanas que Samuel está em Manhuaçu e, segundo ele, a cidade possui características não mais encontradas na Venezuela. “Nós queremos morar e trabalhar aqui, pois neste lugar temos uma vida normal. Os manhuaçuenses possuem coisa que nós não conhecemos mais: vocês podem caminhar na rua após as 18 horas, e na Venezuela isso não é permitido. As pessoas que moram aqui possuem muita liberdade e comida – situações praticamente escassas em meu país. Talvez, para as pessoas que moram aqui seja uma situação normal, mas para nós é algo maravilhoso e queremos retribuir este acolhimento e a tranquilidade que nos foi ofertada” afirma.

A mãe de Samuel Juárez, Florángel Rojas, reitera que, como cidadãos do país, e como família, o desejo era de ficar Venezuela, mas a situação chegou a tal ponto que a própria sobrevivência dela e de seus familiares ficou ameaçada em função da fome, escassez de comida, falta de hospitais e, consequentemente, saúde, água e luz, entre outros serviços básicos para manter a dignidade humana.“O Governo destruiu toda a imersão da Venezuela, acabou com tudo e estropiou os produtores, por meio de apropriações de empresas, fazendas, fábricas e oficinas. A Venezuela exportava café, mas eles se apropriaram de toda a produção do produto e todas as fazendas cafeicultoras. Vendíamos um excelente arroz à Colômbia e isso acabou. Agora, tínhamos que importar arroz a preço muito caro para sobreviver. Na Venezuela não há produtos, não há serviços, não há nada. O governo enviou um decreto para apropriar fazendas de bovinos. Não haverá mais carne, não haverá mais frango, não haverá mais nada em nosso país se a situação persistir”, explica.

Para Samuel Juárez, a corrupção é o principal fator pela implosão por qual a Venezuela vem passando, e tudo começou com a ascensão Hugo Chávez ao poder – período governado por 14 anos, desde 1999 até sua morte em 2013. “Quando o governo da Venezuela atacou o setor privado, ele começou um processo que pouco a pouco foi piorando a situação do país”, reitera. Os últimos momentos vividos nos país pelo então diretor de marketing – que trabalhava com marketing digital, marketing político e também comunicação organizacional, ocorreu no estado de Bolivar – onde ele e sua mãe moravam, no qual houve um massacre que culminou com a morte de mais de 100 pessoas a mando da guerrilha do país, ou como o próprio Samuel declara “Muitos grupos terroristas na Venezuela”.

Jose León é pai de 4 filhos, tinha o seu próprio comércio no país vizinho e quando a situação se tornou insustentável veio para o Brasil. Ele ficava em um abrigo da ONG Fraternidade sem Fronteiras, em um local que acolhe os Venezuelanos que chegam a Roraima, mas especificamente em Pacaraima. Jose e sua família permaneceram no local por cinco meses até conhecer a filha da Dra. Beatriz Prata – que auxiliava a ONG com serviços voluntários. E assim como Samuel e Flor, Jose veio para Manhuaçu. Acompanhando a situação que assola o seu país, Jose se mostra preocupado com os rumos da nação venezuelana nas mãos de pessoas corruptas e inconsequentes, que se mostram preocupados somente com o bem-estar próprio, enquanto o seu próprio povo morre de fome, sede, violência e outras barbáries desumanas. “Eu penso em meus filhos, crianças que estão crescendo agora, e em como está ficando a Venezuela. Acredito que não seja bom. E o sonho maior que eu tenho é de voltar para a Venezuela com meus filhos. É um desejo que mais cedo do que tarde vai se realizar”, disse.

Solidariedade
As ações humanitárias praticadas com os venezuelanos que residem em Manhuaçu ocorreram em virtude da ação da ONG Fraternidade Sem Fronteiras, que tem na Dra. Beatriz Prata uma representante para auxiliar essas pessoas que sofrem com a incontingência política e econômica que assola a Venezuela. “Nos inscrevemos como apoiadores da ONG – uma entidade que nasceu em Mato Grosso do Sul e trabalha nos mesmos moldes da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras. Ela não tem qualquer vínculo político ou religioso. O objetivo dela é apoiar famílias que estejam em situação de risco social. Recentemente, ela elegeu a causa dos nossos irmãos venezuelanos como um grande foco para o nosso trabalho humanitário”, explica.

Segundo Dra. Beatriz Prata, a vertente da ONG é interiorizar famílias venezuelanas, tendo em vista que cidade como Boa Vista – capital de Roraima e Pacaraima não comportam 40, 50 mil venezuelanos. “Este projeto do qual nós fazemos parte se chama “Brasil: um coração que acolhe”, que busca ajudar nossos irmãos da América Latina a ter uma vida digna. E eles vêm para cá oferecer trabalho. E o Brasil é um país construído muito a base do braço daqueles que vieram de outros lugares”.

A Assistente Social Ana Lúcia Arakake, é responsável por orientar as famílias acolhidas pela ONG, e que são trazidas para Manhuaçu. Ela complementa que apesar da receptividade, a fase de adaptação de pessoas que passam por momento traumáticos deve ser acompanhada de perto por profissionais empenhados em conhecer as necessidades – sejam elas físicas ou psicológicas – de cada venezuelano. “Além dessa orientação técnica o mais importante é que acolhemos com o coração e amor, para haver a necessidade mútua de entendimento. Sabíamos pouco sobre a Venezuela e hoje sou grata porque tenho a oportunidade de aprender sobre a situação do país, os costumes e a vida que eles levavam. E temos a oportunidade de conhecer o que cada ser humano passou para chegar aqui e o quanto estão empenhados em ter uma nova vida e novos horizontes a serem trilhados”, finaliza.

Danilo Alves / Leonardo Medeiros / Penha Oliveira (Tradução)

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