ComportamentoDestaqueRadio AM710Radio FM

Psicólogo explica porque muitas pessoas se interessam e compartilham imagens trágicas

o psicólogo e professor de psicopatologia, João Paulo de Paiva
o psicólogo e professor de psicopatologia, João Paulo de Paiva

A tentativa de assalto em Santa Margarida, ocorrida na segunda-feira 10/07, que culminou com a morte do policial militar Cb Marcos Marques e do vigilante Leonardo José Mendes levantou uma polêmica que até então estava fora do radar da sociedade: o compartilhamento desenfreado de fotos e vídeos trágicos via Internet. Logo, curiosos se juntam em torno da vítima e a rua fica tomada de pessoas tirando fotos, ligando para os amigos e outros querendo saber o que aconteceu. Uma cena muito comum de ser vista nos dias de hoje.

Mas por que as pessoas se interessam tanto em ver outras machucadas ou mortas? Por que as notícias ruins de acidentes trágicos ou assassinatos chamam tanto a atenção? Para responder a esses questionamentos, o psicólogo e professor de psicopatologia, João Paulo de Paiva, enumerou algumas situações podem que levar o ser humano a desenvolver esta curiosidade mórbida. “Para essa questão não existe uma resposta única, existem diversas possibilidades que perpassam o comportamento individual e coletivo que servem para responder por que as pessoas se interessam por acidentes, assassinatos e de verem pessoas mortas”, afirma.

Ouça a entrevista com o psicólogo e professor de psicopatologia, João Paulo de Paiva: 

 

O primeiro motivo, na tentativa de explicar esse fenômeno, seria a curiosidade. “O ser humano é curioso por natureza. Vemos uma multidão na rua e logo vem o desejo de saber o que ocorreu. É uma função mental de querer saber o que aconteceu, como aconteceu, quem foi o culpado, diz o psicólogo. A proteção é outro fator apontado por João Paulo. Para ele, a divulgação de uma notícia, principalmente de perigo, tal como um acidente ou assassinato, cumpre a função social de tentar evitar que aquilo aconteça no futuro com outras pessoas. Como, por exemplo, “não atravesse em tal lugar porque é perigoso” ou “não passe em tal rua à noite porque é perigoso”. Contudo, muitas vezes não há limite na propagação de imagens das vítimas, o que leva o psicólogo a abordar outro item, as redes sociais. “A facilidade com que se divulga uma informação e o acesso rápido a equipamentos eletrônicos que estão sempre à mão e sempre conectados impulsiona o comportamento de certos divulgadores de notícias. Nesse caso, não só acidentes são alvos dos celulares e das redes sociais, mas também obras de caridade, cultos religiosos e festas. Noticiar pode ser uma forma de empatia com o sofrimento ou alegria alheia”, explica.

Existe ainda, na visão de João Paulo, o sentimento de alívio. Ele conta que por mais estranho que pareça, o ser humano tende a achar bom que a tragédia tenha acontecido com um desconhecido. “Saber que uma tragédia aconteceu com outra pessoa e não comigo ou com uma pessoa próxima a mim, traz a sensação de alívio e escape ou a sensação de que minha vida está melhor do que a dos outros que sofreram”.

O psicólogo também afirma que “desde muito cedo o ser humano demonstra curiosidade pelo tema da morte e tenta buscar respostas para suas perguntas”. Ele continua: Poderíamos fazer um paralelo sobre o porquê de as pessoas pararem para observar acidentes de carro na estrada. De acordo com ele, ao observar o que houve com a outra pessoa, conseguimos dar um senso de causa e efeito para os eventos (que acontecem, aconteceram ou podem vir a acontecer conosco). “Ao mesmo tempo, também somos atraídos por qualquer coisa fora do comum (pelo que é diferente) e temos uma tendência de “seguir o exemplo”, repetindo o comportamento do grupo (“se outra pessoa está olhando, eu também quero ver”). Além disso, alguns autores comentam que tragédias ou acidentes (situações que envolvem doença ou morte) evidenciam a finitude humana e nos obrigam — de certa maneira — a pensar e dar sentido à nossa própria existência”, salienta.

O psicólogo afirma que o tipo de curiosidade sempre existiu, mas em escalas diferentes já que antes não havia a internet para viralizar. “Nunca foi incomum ter um corpo morto na rua e juntar um monte de gente para ficar olhando. Mas hoje tudo se coloca na internet”. Ele acredita que a morte é uma questão mal trabalhada na nossa cultura e que esse pode ser o principal fator que influencia o comportamento. “Quando acontece uma morte, principalmente de forma inesperada, e de alguém conhecido, mexe com as pessoas. A morte fica muito próxima a elas psicologicamente. Acredito que querer ver como é faz aflorar a ideia de que elas vão morrer um dia. Não estou falando que acontece com todo mundo, mas tem pessoas que precisam olhar aquilo. Para quem está envolvido emocionalmente é muito doloroso. Já essas pessoas que estão olhando na internet estão distantes. É um espetáculo de televisão, como se fosse cinema”, diz

O psicólogo conclui dizendo que o interesse do ser humano por tragédias não é um assunto fechado e que o comportamento social é muito complexo para ser tratado de maneira simples ou unilateral. “Na oportunidade, gostaria de fazer uma reflexão sobre o comportamento invasivo dos dias atuais. Tudo hoje é motivo para fotos e vídeos nas redes sociais. Vemos que nem mesmo um velório ou um culto religioso escapa das câmeras dos celulares. Ninguém pergunta se você quer ser filmado, afinal de contas, já que a maioria das pessoas gosta de aparecer, você também vai querer. Nada escapa do ímpeto exibicionista de certas pessoas que tem a necessidade de gritar para o mundo ‘eu estava lá. Determinadas situações sociais exigem discrição. Não podemos invadir a privacidade alheia de certas ocasiões que devem sim, permanecer no anonimato”, finalizou.

Danilo Alves – Tribuna do Leste

Comentários

Mostrar mais

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo