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Artigo: “Fazei isto em memória de mim”

145661733164957662Pe. Aureliano de Moura Lima, SDN

[Jo 6,51-58]

Celebramos, hoje, na Igreja Católica, a Solenidade de Corpus Christi. Gostaria de abordar um aspecto desta celebração que julgo ser constitutivo da essência da Eucaristia. Trata-se do verbo fazer: “Fazei isto em memória de mim” (cf. 1Cor 11,24-25).

Quero, em primeiro lugar, chamar a atenção para o gesto de Jesus: “fazei isto”. Não se trata de u’a mera repetição do rito de tomar o pão e o cálice e pronunciar as palavras sagradas. Este “fazei” está se referindo ao gesto de Jesus se entregar por nós. Pão partido e entregue e sangue derramado. Deu-se totalmente: “amou-os até o fim” (Jo 13,1).

Em segundo lugar, este “fazei” se liga a outros gestos e palavras de Jesus. Assim, na Última Ceia, depois de lavar os pés dos discípulos, diz: “O que fiz por vós, fazei-o vós também” (Jo 13,15). Ou seja, o gesto de lavar os pés dos discípulos foi um gesto eucarístico: Jesus saiu da mesa, depôs o manto, tomou o avental, desceu e se abaixou para lavar os pés dos discípulos. Sair de si e ir ao encontro de alguém: gesto eucarístico de Jesus, gesto eucarístico do discípulo. Jesus, na Ceia, se refere a este “fazer”.

outro “fazer” muito significativo nos relatos evangélicos. Trata-se da parábola do Bom Samaritano. Na conclusão da parábola o Senhor diz ao doutor da lei que lhe perguntara sobre o que “fazer” para alcançar a vida eterna: “Vai tu também e faze o mesmo” (Lc 10,37).

Para não estender muito, concluo com as palavras da Virgem Maria ao anjo que lhe anunciara o Mistério da Encarnação: “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Um Mistério que traz a salvação para toda a humanidade quis passar pelo “fiat” de uma mulher: Maria de Nazaré.

Estas considerações sobre o “fazei isto em memória de mim” do relato da instituição da Eucaristia podem nos ajudar a entrar um pouco mais no sentido da solenidade que celebramos neste dia: Corpus Christi. Não se trata apenas de “ver” a Hóstia consagrada nem mesmo de simplesmente “comê-la”. Mas há uma consequência ética: o “fazer” de Jesus precisa coincidir com nosso fazer para que não somente levemos o nome de cristãos, mas o sejamos verdadeiramente.

Eucaristia celebrada deve coincidir com Eucaristia vivida. Pão partilhado, mesa farta para todos, nada de desperdício, direitos de todos ao pão e ao chão para sustento cotidiano, políticas públicas que levem em consideração aqueles que realmente precisam, celebrações que ajudem os participantes a serem mais eucaristizados e eucaristizantes. “Tendo levantado os olhos, Jesus viu uma grande multidão que acorria a ele. E disse a Filipe: ‘Onde compraremos pães para que tenham o que comer?’ … Então Jesus tomou os pães, deu graças e os distribuiu aos convivas” (Jo 6,5.11).

Tomai e comei, tomai e bebei

Meu corpo e sangue que vos dou

O Pão da vida sou Eu mesmo em refeição.

Pai de bondade, Deus de Amor

E do universo, sustentai

Os que se doam por um mundo irmão.

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Eucaristia para formar um só corpo

“O cálice de bênção que abençoamos não é comunhão com o sangue de Cristo?

 O pão que partimos não é comunhão com o Corpo de Cristo?

 Já que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo,

 visto que todos participamos desse único pão” (1Cor 10, 16-17).

A eucaristia é o sacramento que faz a Igreja. Participar do cálice de bênção e do pão partido é tornar viva e dinâmica a presença de Jesus em nosso meio. Enquanto a comunidade participa e celebra a vida de Jesus ela está continuando a sua missão. E a grande obra de Jesus foi a de revelar o rosto misericordioso do Pai que não quer que ninguém se perca (Cf. 1Tm 2,4). Conhecedor das intrigas, ciúmes e divisões presentes no coração humano, que retardam a concretização do Reino, Jesus rezou: “Que todos sejam um. Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que estejam em nós, para que o mundo creia” (Jo 17, 21).

Criar, gerar, promover comunhão na comunidade cristã não se faz como num passe de mágica; não é obra de um dia. É algo que deve ser constantemente construído. É preciso de ternura para perceber e acolher o outro na sua fraqueza e fragilidade; é preciso de sensibilidade e intuição para captar as necessidades, as luzes e sombras que surgem na comunidade; é preciso de muita humildade para acolher e aceitar as diferenças bem como perceber a riqueza que elas podem trazer; é preciso de muita abertura para ouvir queixas, reclamações, opiniões discordantes; é preciso de muito espírito de oração, de comunhão e intimidade com Deus para percebermos cada vez mais que a missão é d’Ele, que a comunidade é d’Ele, que a Igreja é d’Ele, que o trabalho que realizamos é missão que Ele nos confiou: “Evangelizar não é um título de glória para mim, mas uma necessidade que se me impõe”.

Estando à mesa com os seus discípulos, Jesus “tomou o pão, partiu e o deu aos seus discípulos”. Portanto, Eucaristia é pão, corpo tomado, partido, doado… é sangue derramado (Cf Lc 22, 19-20). Também o cristão que participa da mesa do Senhor deve sentir-se, no seu dia a dia, tomado, isto é, consagrado por Deus no batismo para a missão; partido e repartido para os irmãos (nas dificuldades da missão, nas crises, nas lágrimas, no suor, na falta de reconhecimento, nas ingratidões, quando tem que abrir mão do que gosta…). E, finalmente, doado: dado por Deus ao povo. O cristão não existe para si mesmo, existe para os irmãos.

Nesta construção da comunidade e da pessoa é que a eucaristia vai transformando a sociedade. O cristão eucaristizado vai percebendo que a sociedade que mata, que rouba, que corrompe, que sonega impostos, que acumula, que explora, que destrói precisa ser modificada. Então ele entende aquela recomendação que São João Crisóstomo, nos idos do século IV, fazia à comunidade: “Queres honrar o Corpo de Cristo? Então não o desprezes quando o vês em andrajos. Depois de tê-lo honrado na igreja em vestes de seda  não deixes que morra de frio fora, porque não tem com que vestir-se. É, de fato, o mesmo Jesus que diz: ‘Isto é o meu Corpo’ e aquele que diz: ‘tu me viste com fome e não me deste de comer – aquilo que recusaste ao menor de meus irmãos foi a mim que o recusaste’. O corpo de Cristo na Eucaristia exige almas puras, não ornamentos preciosos. Mas no pobre, Ele pede todos os teus cuidados. Comportemo-nos como santos: honremos o Cristo como ele mesmo quer ser honrado: a homenagem mais agradável é sempre aquela que o homenageado deseja receber, não aquela que nós queremos fazer-lhe. Pedro pensava estar honrando seu Mestre não permitindo que o Senhor lhe lavasse os pés. Entretanto, fazia exatamente o contrário. Dai-lhe, pois, a honra que Ele mesmo pediu, doando ao pobre o vosso dinheiro. Ainda uma vez, aquilo que Deus quer não são cálices de ouro, mas almas de ouro”.

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