Os trabalhadores por conta própria são o motor da retomada da ocupação dos brasileiros após o baque registrado no início da pandemia, mas encontram um cenário de precarização. Longe do sonho de empreender por opção e assistir ao negócio deslanchar, quem começou um negócio próprio nos últimos dois anos no Brasil tem uma renda 30,1% menor dos autônomos que estavam no mercado antes disso e tende a ter menos direitos trabalhistas, pois a formalização diminuiu. Em Minas Gerais, a situação se repete e a renda dos novos autônomos é 27,4% menor do que a de quem trabalhava por conta própria desde antes da pandemia. Só no Estado, 178 mil pessoas começaram a trabalhar dessa forma desde o início da crise sanitária.
O cenário é de precarização do mercado, segundo um novo relatório do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), publicado em maio. Com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ele contabiliza que o número de ocupados no país já havia retornado ao patamar de 2019 no final de 2021, com acréscimo de 0,2%. Já o aumento de trabalhadores autônomos no mesmo período aumentou 6,6%, 33 vezes mais. Essa massa de trabalhadores não é, em geral, de empresários com negócios consolidados ou com alta qualificação, e a média de renda mensal é de R$ 1.434 — antes da pandemia, a média era R$ 2.074. Em Minas, era R$ 1.999 e passou para R$ 1.451.
“Quem entra em uma nova ocupação ganha menos. Mas são as pessoas que não estão conseguindo se inserir no mercado de trabalho como empregadas e, então, fazem bicos. Se o rendimento dessas pessoas vai melhorar depende muito mais de como estará a economia daqui para frente do que delas mesmas. Trabalhar, elas querem, tanto que mesmo sem emprego ficaram por conta própria”, avalia o economista do Dieese Gustavo Monteiro.
Moradora do Céu Azul, na região Norte de Belo Horizonte, Daiana Soares, 42, tentou encontrar trabalho fixo durante a pandemia, mas, sem sucesso, passou a produzir e vender doces de porta em porta. “Estava difícil porque muita gente não comprava ainda por receio da Covid. Eu e meus meninos íamos a bairros, ao sacolão, e eu tirava cerca de R$ 300 por mês, mas comprar as coisas ficou muito caro e parei. Agora, estou fazendo faxina, mas gostaria de trabalhar fichado (com carteira assinada), em um serviço bom, que me desse estabilidade e permitisse ficar mais com meus filhos”, conta.
Além do receio sobre a Covid-19, citado por Daiana, a alta taxa de desemprego no Brasil, que tem cerca de 12 milhões de desocupados, e a inflação que cresce a cada mês, diminuem o poder de compra dos brasileiros e, consequentemente, a clientela dos pequenos negócios. “Temos inflação alta e poder de compra cada vez menor, então as pessoas estão comprando menos. Alguém que comprava uma bijuteria ou ia ao cabeleireiro toda semana, por exemplo, diminuiu esses costumes drasticamente. Outro fator é que quem abriu um negócio na pandemia fez isso com uma série de restrições e, apesar de terem tentado sobreviver nesse período, a sobrevivência custou caro”, pontua a analista do Sebrae Minas Laurana Viana.
Autônomos não se formalizam e perdem direitos
Três em cada quatro trabalhadores que passaram a trabalhar por conta própria desde a pandemia não tinham CNPJ nem contribuíam para a Previdência. Entre os autônomos mais antigos, o índice também é alto, mas é menor e a informalidade é de três em cada cinco. Hoje diarista e, antes, vendedora de doces, Daiana Soares diz que acha importante contribuir com a Previdência, mas não tem planos de fazer isso no futuro próximo. “Preocupar, eu me preocupo, mas não tenho condições de pagar, não”, diz.
O cadastro de microempreendedor individual (MEI) garante direitos como auxílio-doença e salário-maternidade, sob uma taxa de até R$ 66,60 mensais. A cozinheira Silvânia Alecrim, 53, vende doces há dez anos e já formalizou o negócio, a Arte Doceria. “Indiquei para várias pessoas fazerem isso. Minha filha fez cirurgia e vai receber benefício. É uma garantia que a gente tem, se deus nos livre e guarde acontece alguma coisa”, diz. Na pandemia, ela conseguiu manter a renda com as vendas, mas teve que se desdobrar e passar a vender os doces na rua todos os dias, enquanto, antes, dependia somente de encomendas.
A analista do Sebrae Minas Laurana Viana destaca que, além da formalização, é necessário que o trabalhador invista na profissionalização do negócio. “A capacitação, e existem vários cursos gratuitos, não pode ser entendida como perda de tempo, ela é investimento de tempo. Também é muito importante planejar. Hoje, não posso abrir um negócio com a mentalidade de pré-pandemia, porque os negócios online, por exemplo, vieram para ficar”, resume.