A Justiça mineira suspendeu parcialmente o Decreto 439/2020 do Município de Ipanema e autorizou que a Viação Pássaro Verde Ltda. continue a prestar o serviço de transporte coletivo de passageiros — intermunicipal e municipal —, no âmbito do município, sobretudo quando tenham como origem cidades com casos confirmados de covid-19.
A decisão, em caráter liminar, foi proferida em 29 de abril último pelo juiz Felipe Ceolin Lírio, da 2ª Vara Cível, Criminal e da Infância e da Juventude da Comarca de Ipanema.
O magistrado determinou que o município se abstenha de notificar, multar, reter veículo(s) ou embaraçar suas atividades e circulação, mas sem prejuízo da aplicação de medidas sanitárias, sob pena de pagamento de multa de R$ 20 mil, limitada a R$ 1 milhão.
O magistrado, na decisão, condicionou o transporte público coletivo à “disponibilização de máscaras para todos os passageiros, à exceção daqueles que já as estiverem usando, bem como álcool gel em quantidade suficiente para as assepsias cabíveis durante o percurso da viagem e a utilização de termômetro para aferição da temperatura corporal dos passageiros”.
Serviço essencial
A Pássaro Verde entrou com o pedido liminar, sustentando que é concessionária de serviço regular de transporte coletivo intermunicipal de passageiros e explora linhas regulares que fazem a ligação entre alguns municípios de Minas Gerais.
De acordo com a empresa, com o decreto editado pelo prefeito de Ipanema em 17 de abril de 2020, ficaram proibidas, nos limites territoriais do município, as atividades de transporte coletivo de passageiros oriundos de cidades com casos confirmados de covid-19, sob pena de aplicação de sanções administrativas.
A viação sustentou que o prefeito não pode restringir a atividade de transporte intermunicipal de passageiros, por ser este serviço essencial ao atendimento das necessidades da população, e que município não detém legitimidade para tratar dessa matéria.
Competências
Ao analisar o pedido, o juiz Felipe Lírio destacou que, em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a disseminação do novo coronavírus se configurava como uma pandemia. “Em razão da importância epidemiológica da prevenção individual e coletiva e do consequente enfrentamento da propagação do novo coronavírus, foram expedidos diversos atos normativos, nas esferas federal, estadual e municipal”, afirmou.
Contudo, de acordo com o magistrado, o Decreto 439/2020 usurpou a competência residual do Estado de Minas Gerais para regulamentar o transporte público intermunicipal, conforme disposto na Constituição Federal e na Lei Federal 13.979/20.
A norma federal, segundo o juiz, autoriza os chefes do Executivo a restringir a locomoção interestadual e/ou intermunicipal, desde que a medida seja tomada no âmbito de suas competências, tenha caráter excepcional e temporário e esteja respaldada em recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. “E o caso em questão não atendia a esses requisitos”, observou.
O juiz ressaltou que a gravidade da pandemia exige a tomada de providências estatais globais com a participação de todas as unidades federadas, e não atos isolados e destoantes de dada circunscrição estadual. As ações devem ser sempre “coordenadas e devidamente planejadas pelos entes e órgãos competentes e fundadas em informações e dados científicos comprovados”.
No caso do decreto em Ipanema, o magistrado avaliou que a norma coibia, “de forma desproporcional, a livre locomoção no território nacional, direito este constitucionalmente garantido pelo art. 5º, XV, da Constituição Federal (…)”.
Ao conceder a liminar, o magistrado destacou que os efeitos da decisão poderão ser eventualmente revertidos, já que a proibição poderá ser restabelecida a qualquer momento, bastando que se altere o panorama fático e técnico relativo à covid-19.