Estamos extasiados e chocados com mais uma tragédia em terras mineiras – o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Ainda não deu para “esquecer” o desastre de Mariana (05.11.2015), a ferida continua aberta! Eis que vem outro ferimento pior. Não dá para conformar com a explicação de que foi um “acidente”, tendo em vista que, por vários ângulos, se chega à conclusão de que era possível evitar o sinistro.
As mineradoras, movidas pelo lucro, pela pressão de acionistas que desejam suas ações valorizadas urgem em pressionar os órgãos públicos de fiscalização para a obtenção das licenças de operação. Ficam com o lucro enquanto padece a natureza com os prejuízos para o estado e para os cidadãos. Carece a responsabilidade ética, o compromisso com a vida e o respeito com tudo e com todos.
Lamentamos a omissão e o descaso do poder público. Seus órgãos de fiscalização deixam a desejar. Não só o governo, mas o poder legislativo que não se interessa pela defesa dos cidadãos. Omitem, ignoram e desrespeitam a população quando arquivam projetos de defesa do bem ambiente.
“Um projeto do Senado que endurecia a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) não prosperou na Casa e foi arquivado no final do ano passado, em razão do término da legislatura iniciada em 2015. A proposta, apresentada pelo senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) em 2016, foi elaborada depois dos trabalhos de uma comissão temporária criada para debater a segurança de barragens após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em novembro de 2015. O texto chegou a receber relatório favorável do senador Jorge Viana (PT-AC), mas não foi votado pela Comissão de Meio Ambiente” (G1 . Gustavo Garcia e Fernanda Vivas, G1 e TV Globo).
Na Assembleia de Minas não foi diferente o comportamento de alguns parlamentares: “Três anos após o desastre causado pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, um projeto de lei criado em 2016 que pretendia evitar novos acidentes… O texto, parado há mais de um ano, prevê regras mais rígidas de licenciamento ambiental para a criação de novas barragens e endurece a fiscalização sobre as já existentes – caso da que se rompeu nesta sexta-feira em Brumadinho, deixando cerca de 150 pessoas desaparecidas e um rastro de destruição.
O projeto original foi aprovado na primeira votação em plenário. De lá, foi encaminhado para as comissões de Administração e Minas e Energia, presidida na época pelo deputado João Vitor Xavier (PSDB). O projeto recebeu apoio popular por meio de mais de 56 mil assinaturas. A proposta, porém, foi vetada por três votos a um pelos deputados Thiago Cota (MDB), Tadeu Martins Leite (MDB) e Gil Pereira (PP). A BBC News Brasil os procurou nesta sexta-feira durante o expediente para saber qual o motivo do veto, mas apenas Thiago Cota se manifestou por meio de sua assessoria de imprensa. Ele disse, por meio de uma nota, que votou contra o projeto porque ele “inviabilizaria a mineração em Minas Gerais” (Cf. BBC News de 26.01.2019)
Em quem confiar? A quem recorrer?
O anonimato das grandes empresas, os órgãos de fiscalização despersonalizados, agem com a liberdade de, se algum desastre
ou crime vier a ocorrer, não se encontra o autor!
Até hoje ainda não aconteceu a penalização das empresas e dos responsáveis pelo desastre de Mariana. Ninguém foi indiciado. A justiça não teve como impor a punição a alguém. Com isto a população fica desprotegida.
A FEAM – Fundação Estadual do Meio Ambiente, Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema), em Nota de Esclarecimento, datada de 21 de novembro de 2018 esclarece que: “Reforçamos que Minas Gerais é o único estado da Federação que possui um programa de gestão de informações acerca das barragens existentes, previamente à Lei Federal. Existem competências legais relacionadas às barragens em Minas Gerais e para o caso de fechamento de Mina. E ainda conforme previsto na Política Nacional de Segurança de Barragem (PNSB), cabe à entidade outorgante de direitos minerários, para fins de disposição final ou temporária de rejeitos, a ANM – Agência Nacional de Mineração, fiscalizar as estruturas da atividade mineral, incluindo Barragens de Mineração, em face dos títulos minerários concedidos. Define na mesma política que o empreendedor é o responsável legal pela segurança da barragem, cabendo-lhe o desenvolvimento de ações para garantir sua segurança, devendo arcar com as responsabilidades… Não obstante às atribuições definidas na legislação, o Sisema desenvolve, por meio da Feam, o Programa Gestão de Barragens que tem por objetivo promover a classificação quanto ao potencial de dano ambiental e a atualização sistemática das informações relativas às auditorias de segurança, visando à minimização da probabilidade da ocorrência de acidentes com danos ambientais”.
É preciso repensar modelos de desenvolvimento que desconsideram o respeito à natureza, os parâmetros de sustentabilidade.
Minas está de luto.
Mais uma “abominação da desolação”, como disse Jesus no Evangelho de Marcos, referindo-se aos absurdos nascidos das ganâncias e descasos com o outro, com a verdade e com o bem de todos: mais uma barragem rompida em Minas Gerais, agora em Brumadinho, Região Metropolitana de Belo Horizonte. A Arquidiocese de Belo Horizonte une-se a cada um dos atingidos, compartilhando suas dores. Nossas comunidades de fé, especialmente às que servem ao Vale do Paraopeba, estejam juntas, para levar amparo, ajuda, a todos que sofrem diante de tão lamentável tragédia.
Os danos humanos e socioambientais são irreparáveis e apontam para uma urgência, já tão evidente: é preciso repensar modelos de desenvolvimento que desconsideram o respeito à natureza, os parâmetros de sustentabilidade. Uma triste coincidência: nesta sexta-feira, dia 25, quando uma barragem se rompe no coração da nossa amada Brumadinho, entrou em pauta, no Conselho da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, autorização para a retomada da mineração na Serra da Piedade. Uma tragédia se efetiva e outra se anuncia.
A Arquidiocese de Belo Horizonte defende, incansavelmente, de modo inegociável, a natureza, obra do Criador, compreendendo que o ser humano, as plantas e os animais devem viver em completa harmonia, pois são todos habitantes do planeta, a Casa Comum.
Rezemos pelas vítimas desta tragédia, unidos ao coração de cada pessoa e de todas as famílias que sofrem, renovemos, mais uma vez, o nosso compromisso com a solidariedade. É urgência minimizar a dor dos atingidos por mais esse desastre ambiental, sem se esquecer de acompanhar, de perto, a atuação das autoridades, na apuração dos responsáveis por mais um triste e lamentável episódio, chaga aberta no coração de Minas Gerais. A justiça seja feita, com lucidez e sem mediocridades que geram passivos, com sentido humanístico e priorizando o bem comum, com incondicional respeito e compromisso com os mais pobres. Minas Gerais está de luto.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte