Planejamento urbano: arquiteta destaca a importância para o município
Desastres relacionados a inundações e alagamentos, além de muito frequentes, provocam grandes danos materiais e, dependendo de sua magnitude, causam a irreparável perda de vidas. A análise dos cenários urbanos brasileiros revela a forma desordenada de apropriação, norteada pela ausência de planejamento que considere o disciplinamento do uso e ocupação do solo como prerrogativa básica de seu ordenamento. Essa desordem traz como consequência, níveis abusivos de degradação ambiental evidentes no cotidiano urbano.
Desastres relacionados às enchentes e inundações são muito significativos em âmbito municipal, pois, tendo em vista que a cidade de Manhuaçu desenvolveu sua malha urbana ao longo do leito do rio, colocando em risco populações que periodicamente, em consequência de chuvas intensas e concentradas, sofrem problemas com as inundações e/ou com acúmulo de águas pluviais nas vias urbanas. A ocorrência de enchentes, alagamentos e inundações em áreas urbanas pode ser explicada pelo agravamento do escoamento superficial natural, que sofre alterações substanciais em decorrência do processo de urbanização desordenada, como consequência da impermeabilização da superfície.
Cidades debaixo d’água
No dia 04/11 uma forte chuva alagou a região central de Manhuaçu e causou transtornos e prejuízos aos moradores. O temporal transformou, durante alguns minutos, a avenida Salime Nacif e as ruas Randolfo Baião e Capitão Rafael em um rio. Na região da Baixada, a rua do Triângulo voltou a sofrer com as inundações que desembocam no trecho do terminal rodoviário de Manhuaçu. Na região central, o cenário se repetiu. A forte enxurrada desceu pela alameda Eloy Werner, alagou a BR-262 e seguiu fazendo estragos por toda a rua João Claudino até a Monsenhor Gonzalez. Em todos esses locais o temporal gerou os mesmos problemas. Além das galerias e redes pluviais não suportarem tanto volume de água num intervalo pequeno, carregam lama e sujeira.
Tanto na BR-262, perto da Receita Federal, o trevo da Zebu, ou em frente ao bairro São Jorge, quanto na região da Baixada, os condutores tiveram que redobrar a atenção, mesmo aqueles que conduziam ônibus e caminhões. Alguns automóveis ficaram parcialmente cobertos pelas águas da chuva e tiveram que ser rebocados.
Em Reduto, a forte chuva levou danos as residências e enormes prejuízos aos moradores da rua Francisco de Souza Lopes, na área central. Cinco famílias acionaram a Polícia Militar e registraram ocorrência depois da chuva intensa. De acordo com os moradores, os danos foram causados porque a rede pluvial da rua Francisco de Souza Lopes (antiga Rua Santa Luzia) não suportou a quantidade de água da chuva, vindo a invadir as residências.
Alerta da Defesa Civil
Segundo informações da coordenadora municipal de Defesa Civil, Vininha Nacif, a entidade conta com apoio do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, que ajuda a medir o índice de chuvas. Ela reitera que qualquer cidadão pode acessar o site da instituição (www.cemadem.gov.br) e procurar informações de chuvas em Manhuaçu, basta acessar a página e procurar por pluviômetros, mapa interativo e localizar a região de seu interesse. “No local a pessoa encontra o gráfico informativo de quanto choveu em Manhuaçu, em qual horário, dia”, explica. Vininha Nacif salienta que a cidade conta com dois pluviômetros instalados em pontos estratégicos, e estes equipamento são os responsáveis por transmitir os dados ao Cemaden.
Ela explica que a defesa civil de todo o estado trabalha sob a ótica da prevenção e por isso conta com alertas representados por cores – que informam o grau de periculosidade de cada incidência na região. “O alerta laranja é quase pico de perigo. Quando emitem alerta vermelho significa que uma chuva muito perigosa pode ocasionar vários transtornos para a cidade”, explica.
Alagamentos e inundações nas áreas urbanas e rurais
Para a Arquiteta Urbanista, Lidiane Espindula, os alagamentos estão ligados diretamente ao volume de chuva em determinada região. Mesmo áreas não urbanizadas (rurais), com grande território para absorção de água (áreas permeáveis), estão sujeitas a alagamentos dependendo do volume de chuva. “Em áreas urbanizadas o problema está diretamente ligado à falta (ou falha) do planejamento urbano. Quanto mais ocupamos, ou seja, construímos edificações, asfaltamos e retiramos as áreas verdes, automaticamente diminuímos a área permeável e aumentamos a possibilidade de alagamentos. Todos nós temos uma parcela de responsabilidade. Quando há o devido ordenamento territorial com limites de construções e, principalmente, áreas permeáveis obrigatórias em cada lote, o problema pode ser reduzido”.
Ela enfatiza que há diversas formas, mas nenhuma solução mágica e imediata, tendo em vista que existem cidades com altos índices pluviométricos que utilizam calçadas pluviais, ou jardins de chuva, que recebem e reservam a água da chuva, drenando, aos poucos, para o lençol freático. De acordo com a Lidiane Espindula, o sistema evita que grandes volumes de água sobrecarreguem o sistema pluvial da cidade, entupindo bocas de lobo e enchendo os rios. “Outra solução são as lagoas pluviais, que funcionam da mesma maneira, mas estão localizadas em áreas estratégicas da cidade e que permitem maior área de armazenagem de água (como parques e lotes vazios). Em alguns estados dos Estados Unidos, por exemplo, as leis de parcelamento do solo urbano obrigam o empreendedor a executar tais lagoas, uma vez que a área loteada, após ocupada, reduzirá, consideravelmente, a permeabilidade do solo. Nesse sistema, a água é canalizada para as lagoas que ficam dentro da área do empreendimento. Claro que o destino dos lixos é um fator importante. Lixos jogados em vias públicas entopem as bocas de lobo e os bueiros, impedindo que a água escorra eficazmente”, alerta.
Segundo a Arquiteta Urbanista, a baixa porosidade da pavimentação também contribui para a sobrecarga do sistema de drenagem de chuva. No Brasil, o asfalto é sinônimo de progresso, mas em países da Europa, por exemplo, o asfalto só está presente em rodovias e avenidas que circulam ônibus e caminhões. Em vias locais e áreas históricas a pavimentação é feita com pedras, bloquetes e pisos intertravados, que auxiliam na permeabilidade da água. Outras soluções adotadas é o piso de concreto drenante (que pode ser utilizado em calçadas, praças e estacionamentos) e o asfalto permeável, ambos já fabricados no Brasil.
Outro questionamento é se o escoamento da água via redes pluviais carece de atenção. A especialista alega que o sistema de escoamento de água via redes pluviais é o sistema mais adotado nas cidades, mas precisa ser calculado de acordo com o volume de chuvas e com a área impermeável. Mas – ela frisa, o mais importante é o destino da água. “Em Manhuaçu, por exemplo, o destino é o rio que muitas vezes não comporta o volume lançado. O mesmo precisa ser limpo constantemente para evitar o assoreamento. O ideal seria canalizar a água para uma estação de tratamento, podendo voltar para uso da população”.
Situação de Manhuaçu
Em uma cidade com fortes traços de mau planejamento ao longo dos anos, a especialista declara que não se pode voltar no tempo. Segundo ela, o que está construído hoje não pode ser retirado facilmente, como as construções em áreas de risco (rios e encostas). E a maior parte das edificações em Manhuaçu ocupam a totalidade dos lotes, não havendo áreas permeáveis. “Há vários caminhos que juntos poderiam solucionar ou amenizar o problema: controlar a ocupação do solo, por meio da Lei de Uso e Ocupação do solo (entregue para a Câmara de Vereadores do final de 2016 e ainda em análise); melhorar o sistema de captação de água nas ruas e canalizar para uma estação de tratamento; construção de lagoas pluviais para armazenamento da água da chuva; fiscalizar a ocupação indevida em áreas de risco (já previstas em leis federais desde a década de 1960); construir parques e mais praças para aumentar as áreas permeáveis dentro do território urbano (Manhuaçu não possui nenhum parque urbano) e maior arborização das vias, uma vez que a árvore retém boa parte das partículas de água em suas folhas”, detalha.
Para a Arquiteta Urbanista, Lidiane Espindula, a responsabilidade do poder público é manter a cidade limpa, o rio limpo para evitar assoreamento, ampliar o sistema de captação de água e construir estações de tratamento, aprovar e fiscalizar as leis específicas de controle de ocupação urbana (como o Plano Diretor e a Lei de Uso e Ocupação do Solo), construir parques, arborizar calçadas, utilizar materiais mais permeáveis em ruas e calçadas, entre outras. “O importante é compreender que a responsabilidade não é só do poder público. Todos somos responsáveis e precisamos cumprir as leis e proteger o meio ambiente. Quem quer construir 100% do lote e rua asfaltada não pode reclamar de alagamento”, finaliza.
Danilo Alves – Tribuna do Leste