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Mês da Consciência Negra é marcado por resistência e a busca por conhecimento

Novembro é considerado o Mês da Consciência Negra. Data instituída pelo movimento negro do Brasil e já incorporada ao calendário oficial de do país. A data faz referência ao aniversário de morte do líder negro Zumbi dos Palmares, no dia 20 de novembro – Dia Nacional da Consciência negra. Durante séculos, a sociedade aprendeu que ser negro era sinônimo de escravidão, inferioridade, preguiça e marginalidade. No entanto, contraditoriamente, examinando a história do povo negro no Brasil, nos deparamos com uma incontestável, contribuição social e herança cultural. Não é por coincidência que o Brasil é o país com o maior número de negras e negros fora do continente africano – com quase 86 milhões de residentes com origens africanas – mas sim porque estas pessoas, sequestradas de sua terra, resistiram a todo sofrimento ao qual foram submetidas e tornaram-se, as principais responsáveis pelo país que construímos.

Em palestra realizada no dia 10, na Escola Estadual de Manhuaçu (Ex-Polivalente), o Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Júlio Cesar Medeiros, conversou com a reportagem do Tribuna do Leste e ressaltou que o mês Consciência Negra, é um convite a todas e todos, à reflexão sobre a trajetória de luta e resistência da comunidade negra no Brasil. E dessa maneira, é uma forma de contribuir com o combate ao racismo, assim como resgatar a identidade racial, a autoestima e a cidadania do povo negro.

TL – Nesse mês em que é celebrada a Consciência Negra, o que pode ser comemorado?

Júlio – Primeiro lugar devemos lembrar da luta dos nossos antepassados que foram retirados forçadamente da África e que contribuíram para o crescimento desse país. É importante lembrarmos deste período não só em um dia ou mês, bom seria durante todos os dias. Mas, pelos menos, é importante marcarmos essa posição e esse território, e lembrar a importância da nossa ancestralidade e da influência que nossos antepassados têm na cultura brasileira.

TL – Existe raça? É possível classificar seres humano por raça?

Júlio – Desde o século 19 que esse conceito já caiu por terra. Do século 17 até o século 19 existia a ideia de que existiam várias raças, mas de lá para cá a ciência realizou pesquisas mais sérias neste campo e chegou à conclusão de que só existe uma raça: a raça humana, o ser humano.

TL – A discriminação ainda existe? De que forma?

Júlio – Ainda existe muita discriminação no Brasil de forma velada, porque ela não está escrita, mas é praticada por costumes. Por exemplo, tem lugares em que eu trabalhei e vi que o negro andava em uma rua e o branco tinha que andar na outra ponta, ou clube de para pessoas brancas e clubes para pessoas negras. A discriminação racial existe sim, só que não temos placas para isso. Hoje ela está mais exacerbada por conta de as pessoas colocarem o seu racismo para fora, sobretudo nas mídias sociais. Infelizmente ou felizmente, porque agora, pelo menos, sabemos onde o Brasil sempre foi mais racista e preconceituoso.

TL – Poderia dar exemplos de situações em que se sentiu discriminado?

Júlio – Ainda não era professor de universidade e quando aluno, cursando doutorado, minha professora era da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Ela me pediu para que desse um tópico a seus alunos na instituição. Cheguei na faculdade e sentei na mesa do professor esperando os alunos chegarem. Eles foram comparecendo e ficaram de lado se perguntado a mim: “Este é o professor? ”. Eles perguntavam entre si, só não indagavam a mim. E todos eram brancos e somente eu era negro – e sentado na mesa com os livros na minha frente. Quando descobriam que eu era o professor naquele dia, tomavam um choque de realidade. Mas o problema não é que aconteça isso. A questão é que eles não estavam preparados e não estão prontos para encontrar uma pessoa negra na classe média, ou que sejam doutores ou advogados. Estamos acostumados a ver o negro apenas no seu papel subalterno. Essa situação já parte também para a ideia de que o negro só pode estar em determinadas funções, a exemplo de futebol e samba, ou questões ligadas ao esporte. E a sociedade precisa se acostumar a ver o negro desempenhando outros papéis na sociedade, desempenhando a inserção social deles.

TL – Como você avalia as políticas públicas voltadas ao enfrentamento do racismo?

Júlio – Vejo com bons olhos. É importante falarmos sobre o racismo. Acho que as cotas raciais foram importantes pois trouxeram esse debate à tona, tendo em vista que as pessoas tiveram que se posicionar quanto a etnia. Eu sou historiador e trabalho com este tema e posso afirmar que as pessoas nunca se definiram como preto(a), é moreno, moreno claro, marrom bombom, moreninha, pretinha, mulata, mulatinha, mas ninguém quer ser preto, porque ser preto é se ligar à ideia da escravidão. E as cotas trouxeram essa discussão da cor. O cara teve que se posicionar pelo menos para ter cota, eu sou negro e isso é muito importante. Além disso, levantou a questão da educação. Claro que as cotas não são a solução. A resposta é educação de base que nós sabemos que no Brasil é muito precária. É preciso formar uma classe média de pessoas negras que possam integrar os seus filhos a uma educação qualificada, para que ninguém se espante mais quando ver um negro na mesa do professor em uma universidade pública.

TL – Você é a favor das cotas?

Júlio – Sou a favor das cotas. Não fui cotista, sempre estudei em escola pública, mas quando fui aluno lutei para que isso acontecesse, e hoje é uma realidade. Tem mais de dez anos que existem as cotas raciais que mudaram a nossa história. Eu sou a favor enquanto não se mudar a política de base da educação no ensino fundamental.

TL – De que forma o racismo se mostra mais exacerbado e difícil de ser combatido?

Júlio – Na internet. Hoje em dia as mídias sociais passaram a ser um território muito perigoso. As pessoas pensam que, por estar na Internet, não serão descobertas e que não existirá ninguém que possa cercear o que escrevem e por isso podem falar o que quiser. Mas, na Internet também devem ser respeitadas a pluralidade e a diversidade, bem como as outras etnias e ideias. Temos visto que até artirtas sofrem com a questão do preconceito racial, e isso é muito preocupante.

TL – Como você avalia as conquistas do movimento negro no país?

Júlio – São fundamentais e foram importantes para marcar o território das pessoas negras. Mas ainda tem muita coisa a ser feita sobretudo fora do movimento negro, tendo em vista que ele não consegue dar conta de toda a dificuldade que o negro enfrenta no Brasil. Deveria ter mais movimentos, mais pessoas ligadas a essas questões dentro do movimento e que viessem pressionar o poder público acerca das questões sociais.

TL – Como combater o preconceito?

Júlio – Com conhecimento. E aproveitando para parabenizar o Jornal Tribuna do Leste por abrir esse debate tão vigente em nossa sociedade. As pessoas têm medo ou preconceito por falta de conhecimento – que combate qualquer tipo de preconceito. Acredito que o entendimento e o discernimento sobre outras culturas são capazes de fazer um país melhor para todos.

Danilo Alves – Tribuna do Leste

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