Estudo aponta metais da lama da Samarco em girinos
O impacto ambiental causado pelo rompimento de duas barragens em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, na região Central de Minas, no dia 5 de novembro de 2015, contaminou a fauna e a flora local com altos níveis de metais pesados. Um desses apontamentos está no relatório “Girinos como bioindicadores da qualidade da água do Rio Doce”, desenvolvido por pesquisadores da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). O documento afirma que girinos (anfíbios em fase larval) da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, estão absorvendo e concentrando em seus organismos altos níveis de metais pesados como Alumínio, Bário, Cádmio, Crômio, Cobre, Ferro, Manganês, Níquel, Chumbo, Titânio, Vanádio e Zinco.
A pesquisa analisou cerca de 1.500 girinos, de 24 espécies, levados a laboratório. As coletas foram feitas em 26 pontos, sendo 14 no Espírito Santo e 12 em Minas Gerais, nos meses de setembro, novembro e dezembro de 2016. Em entrevista ao jornal Tribuna do Leste, a coordenadora da pesquisa, a doutora em Zoologia e professora de Biologia da UEFS Flora Acuña Juncá, disse que “quanto maior a concentração de metais na água, maior a quantidade de metal bioconcentrados nos tecidos dos girinos. Isso se mantém durante a vida adulta, quando se transformam em sapos ou rãs”. Flora Acuña afirma que a lama escorreu por toda a bacia do Rio Doce e, consequentemente, provocou um impacto na fauna local. Ela acrescenta que uma das maneiras que podem estar repercutindo essa ação é a cadeia alimentar, tendo em vista que os girinos serviriam como veículos de contaminação dos metais pesados na fauna silvestre. A doutora em Zoologia destaca que as coletas foram feitas em águas paradas, como poças, lagos e açudes, ao longo da Bacia do Rio Doce, sendo algumas no leito do rio e outras fora. Rigorosamente, a pesquisa não trata da água corrente do leito do rio, e sim desses ecossistemas específicos. Porém, a contaminação por metais pesados constatada neles é oriunda, inegavelmente, do rio que corre em suas proximidades. “Fizemos uma análise para observar a quantidade de metais que estavam na água, ao longo de toda a bacia do Rio Doce, no segmento de poças aonde os girinos poderiam se desenvolver. Eles foram coletados e observamos que estavam acumulando os metais nos tecidos do corpo. E, como suas peles permeáveis são extremamente sensíveis às condições do meio em que vivem, eles funcionam como indicadores da qualidade ambiental do local”, pontua.
Mesmo os pontos de amostra que não tiveram contato com o rejeito da barragem também apresentaram girinos contaminados. E para a doutora em Zoologia não há dúvidas de que o ferro absorvido pelos animais seja produto do desastre, ainda que o mineral seja abundante na região. “Embora esses minérios sejam abundantes na natureza, a exemplo do ferro, eles não estão disponibilizados em proporção elevadas para ser absolvidos por girinos e encontrados na água. A quantidade exorbitante de minérios encontrados ao longo da pesquisa são frutos de manuseio humano. A liberação de concentrações nessa magnitude só é possível em caso de contaminação pontual, proveniente de descarte do resíduo sem nenhum tratamento”. Ela ressalta ainda que as amostras de sedimentos e de girinos provenientes de todos os pontos apresentaram altos níveis de vários metais, e não apenas para Ferro.
Outro ponto abordado professora de Biologia da UEFS se refere a possível contaminação do lençol freático da região, tendo em vista que, após um pouco mais de um ano, quando foram feitas as coletas do trabalho, a contaminação se expandiu além dos limites da lama. “ Fica a critério de sugestão que seja averiguado com mais profundidade o lençol freático da região da Bacia Hidrográfica do Rio Doce. Encontramos níveis altos de metais nos anfíbios, nos sedimentos e na água em ambientes aonde a lama fisicamente não passou. E a conclusão a que chegamos para essa lama ter chegado é através do lençol freático”, enfatiza.
O temor é que esta contaminação na fauna e flora ao longo da bacia do Rio Doce chegue a animais maiores e mesmo aos humanos, uma vez que metais pesados se acumulam ao longo da cadeia alimentar e não são eliminados pelo organismo. Flora Acuña é cuidadosa ao tratar do risco. “Baseado neste estudo não podemos garantir a contaminação humana, mas não podemos fugir da realidade. A contaminação das águas está lá, peixes estão lá e são parte da cadeia alimentar. Não podemos certificar, mas há todos os indícios de que pessoas estão sendo contaminadas”. Para a professora, o estudo é importante pois levanta outras questões que precisam ser acompanhadas mais proximamente, como a contaminação do lençol freático e plantas na região.
Fundação emite comunicado
Por meio de nota, a Fundação Renova, criada pela Samarco para reparar os danos causados pela tragédia, conforme exigido pelo Termo de Ajustamento de Conduta firmado com o MP (Ministério Público), disse que “considera fundamentais as pesquisas que ajudem a mapear os impactos dos rejeitos e auxiliem na definição das medidas de reparação em andamento”.
E informou que realiza monitoramento sistemático em vários pontos ao longo do Rio Doce, incluindo coleta de dados em tempo real com estações automáticas, que envolvem análises da água e dos sedimentos. “Um dos resultados já aponta que a água retornou a níveis semelhantes aos existentes antes do rompimento da barragem”, afirmou.
Acrescentou que, para avaliar os impactos, um monitoramento específico de biodiversidade aquática foi iniciado em abril no Rio Doce, em cerca de 40 pontos. “No caso específico dos anfíbios, serão feitas análises tanto das larvas quanto dos animais adultos. Com isso, será possível a avaliação de toxicidade tanto da fase aquática quanto na terrestre. No mesmo monitoramento, será feita a avaliação dos pescados. Os resultados devem indicar se estão ou não aptos para o consumo”.
CBH fala sobre os trabalhos realizados
Para o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica Águas do Rio Manhuaçu (CBH-Manhuaçu), e 1° Secretário Adjunto do Comitê da Bacia Hidrográfica da Bacia do Rio Doce (CBH-Doce), Senisi Rocha, a tragédia de Mariana é o maior crime ambiental da história quando se fala de acidentes envolvendo recursos hídricos. Ele acrescenta que a partir do rompimento da barragem de fundão, em Mariana, mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minérios foram lançados a partir do rio gualaxo, passando pelo rio do Carmo, chegando nos rios Piranga e Doce e percorrendo uma extensão de quase 800 km até chegar a foz em Regência (ES). Senisi Rocha conta que por um tempo houve o extermínio do rio Doce, havendo somente uma lama de rejeitos de minérios.
Porém, o presidente do CBH Manhuaçu argumenta que mesmo antes da tragédia do dia 5 de novembro de 2015, o Rio Doce já estava extremamente fragilizado devido a intervenção humana antrópica (ação humana na natureza, podendo acarretar alterações substanciais no ecossistema – fauna, flora e clima). “Isso pelo desmatamento, assoreamento, poluição, lançamento de esgoto doméstico, resíduos industriais, ou seja, impactos que sempre foram provocados que fragilizavam e degradavam o Rio Doce, que já agonizava e era um dos mais poluídos e degradados do país”.
Senisi Rocha explica que os comitês de bacias tinham como missão buscar a mudança do cenário em que se encontrava a Bacia do Rio Doce. Entretanto, com a tragédia de Mariana, os órgãos tiveram que lidar com um panorama totalmente diferente. “A irresponsabilidade de empresas de mineração, a fragilidade da nossa legislação, a morte de 19 pessoas além de toda a tragédia ambiental, social e econômica, decepcionou a todos nós”, disse.
O primeiro Secretário Adjunto do CBH-Doce argumenta que as entidades ligadas a recuperação do Rio Doce tem participado de discussões que visam elaborar melhorias para a região, e entre as prerrogativas estão a manutenção de barragens já estabelecidas e a criação de novas represas. Entretanto, estabelecer prazos para que a região afetada pela lama da Samarco volte à normalidade ainda pode levar tempo. “O plano de rejeito já está sendo finalizado e os órgãos ambientais tem conhecimento dele. Então, falar de um tempo é muito relativo. A gente observa que o rio vem voltando a se restabelecer. Claro que vai levar um tempo. Acreditamos que daqui a 10, 15, 20 anos teremos uma realidade mais favorável do que se tem hoje e do que existia no passado. Mas estabelecer um prazo fixado e determinado é muito relativo em vários aspectos, porque tivemos a flora e a fauna aquática afetadas, como também a margem do Rio Doce”.
Danilo Alves – Tribuna do Leste
Fotos: Divulgação/Equipe de coleta