Artigo: Dia dos Pais
Por Felipe Moura
O sol já se põe. Após algumas baforadas no cigarro de palha, ele se recolhe ao seu quartinho. Pega do bolso o vospic – um velho isqueiro dos tempos em que trabalhava na roça e o único bem de que se pode dizer seu – e o coloca junto ao cigarro sobre a mesinha, na qual descansa uma pequenina madona de resina. Ao lado, há uma cama vazia. Seu companheiro de solidão ainda não veio. Deve estar no banheiro, porque de uns tempos para cá, uma incontinência os faz levantar diversas vezes à noite para urinar. Às vezes, não dá tempo de chegar ao mictório; por vezes, nem se dão conta da urgência e a coisa se mistura ao sono, molhando seus sonhos.
Mas seu Sebastião – esse é o nome do primeiro – quer dormir logo, pois amanhã seu filho deverá aparecer. Desde que chegou ali, não se recorda de quantas vezes o filho veio: se duas ou três. Mas se bem se lembra, a última foi por ocasião do dia dos pais. Então, quem sabe ele vem amanhã?… O filho é bastante ocupado e, por isso, não tem tempo de visitar o pai. É de fato compreensível. A vida exige muito daqueles que querem ganhá-la. São viagens, almoços, jantares e outros tantos compromissos profissionais típicos de quem ocupa posição de relevo na sociedade. Seu Sebastião compreende as dificuldades do filho. “Coitado…, pôs-me aqui para que eu não ficasse por aí, jogado. Muito bondoso esse meu filho! Quando puder, ele vem me ver. E quando puder mais um pouco, vai me levar com ele”. Assim pensa e às vezes até fala para si, a fim de ficar convencido da bondade do filho.
É madrugada. Uma imensa mancha ruiva surge no horizonte e derrete a escuridão daquela que foi uma noite gelada e sem lua. Seu Sebastião levanta-se e se senta na cama. Na mesinha está um copo com água, que é ruidosamente derrubado por ele ao procurar o toco de cigarro, que ali deixara antes de se deitar. A água se espalha pela mesa, molha seu cigarro impedindo-o de baforar naquele momento. Caminha até a porta e, abrindo-a com cuidado, observa no lusco-fusco do quarto seu companheiro dormindo.
O dia vem célere. O filho…, talvez mais tarde. Primeiro terá que ganhar a vida. E seu Sebastião ainda pode esperar mais um pouco. Antes de perdê-la.
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