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Artigo: Bom-dia

Por Felipe Moura

Cumprimentar as pessoas faz parte do ofício de quem é, ao menos razoavelmente, educado. Ainda que desprovido de beleza e parco de inteligência, pode-se arrumar na vida sendo simpático, porque o sorriso é um infalível abre-portas. Talvez pelo fato de não ser belo nem inteligente, conservo esse velho costume, apesar de eu não ter me “arrumado na vida”.

Um bom dia sempre começa com um bom-dia, diz o ditado. Por isso, costumo cumprimentar as pessoas que encontro, mas nem sempre sou correspondido. Nas minhas caminhadas, que normalmente faço lendo um pedaço de jornal, fico atento a quem cruzo. Aproximando, tiro os olhos do jornal e fixo na figura. Se o fulano (ou fulana) despistar, olhando para o lado, já sei: não quer ser cumprimentado e continuo a leitura. De vez em quando, passo perto de uma senhora, que me ignora inteiro. Noutros tempos, tentei cumprimentá-la, mas ela colheu o meu bom-dia virando a cara com um resmungo, atirando ao longe a minha saudação.  Ela não quer que eu a cumprimente e eu não a cumprimento mais. Passo raspando, sinto roçar-me o sopro quente de suas narinas, mas vou reto e mudo. No entanto, já foi pior. Uma colega costumava responder: “Bom dia pra quem? Só se for pra você, porque o meu dia tá uma m…”

Deixando de lado essas torpezas, penso que deveria apenas haver ‘bom-dia’ e ‘boa-noite’. Lá no Gênesis, está: “Deus chamou à luz dia e às trevas noite”; a ‘tarde’ e a ‘manhã’ foram citadas, mas só de raspão. Já que há ‘boa-tarde’, por que não “boa-manhã”? Tem mais. No início do horário de verão, a noite começa com o astro-rei ainda a “metros” acima do horizonte e os ‘boas-noites’ já se assanham… Acho uma falta de respeito para com a majestade solar. E ainda, pelos manuais da etiqueta, após a meia-noite – duas da madrugada, por exemplo –, a saudação deve ser ‘bom-dia’.  Vê se pode, dizer bom-dia no meio da escuridão?…

Sei que é de bom-tom cumprimentar as pessoas, mas isso nem sempre é possível. Quando, numa rua deserta, vem um sujeito meio assustado, de longe já se desconfia das intenções dele. Os passos costumam ser largos e descompassados, olha para trás, para os lados e estando já à meia distância, fixa em você. Penso que atravessar a rua lhe seja mais prudente, pois a situação exige cautela. Se você lhe der bom-dia, ele retribuirá com um: “Ô moço, num dá procê me dá cinquenta centavos? Preciso pegá o ônibus pra (…) e tô sem grana”. Olha que esse bom-dia já lhe custa ‘cinquenta centavos’!… Tá barato, mas pode custar caro. Tome cuidado!

Quando entro na sala de aula, a primeira coisa que digo é o tal ‘bom-dia’. Mas sempre há um engraçadinho, berrando: “Bom dia, fessô! Num dá bom-dia pra nóis não?!” E aí, para não ter que ficar explicando a esse mala, que eu cumprimentava a classe enquanto ele fuçava no celular, escrevo no canto da lousa: “Bom dia! Guarda teu celular”.

Aliás, vou confessar algo e gostaria de que ficasse somente aqui, entre nós. Quando resolvi escrever a saudação com a “regra do celular”, quis ser chique e usei o imperativo. Mas pus o verbo na terceira pessoa e o pronome na segunda, lascando um “guardem vosso …”. Então, uma colega, muito sutilmente e com a discrição dos sábios, advertiu-me: “Não seria ‘guardai vosso’?…” “Ah, sim, tem razão!”, respondi sorrindo para disfarçar minha parvice.

Não consegui ser chique, continuo antipático, mas aprendi a usar verbo e pronome de forma correta.

FILIPE

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