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Criança não namora: campanha alerta pais sobre pular etapas

Uma campanha surgida no Amazonas se espalhou pelo resto do país. Desde o início de abril, quando a Secretaria de Estado da Assistência Social do estado lançou na internet o slogan “Criança não namora, nem de brincadeira”, brasileiros se manifestam nas redes sociais acerca do tema. Com a hashtag #criancanaonamora, a ação se espalhou mobilizando pais, escolas e profissionais. A iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que fez uma publicação em sua página do Facebook, e alcançou 12 milhões de pessoas e mais de 160 mil compartilhamentos, tornou-se a mensagem em rede social de maior repercussão do CNJ desde a fundação, em 2004.

Marca D'água-121De acordo com o advogado e presidente da Comissão dos Direitos da Criança e Adolescente e do Idoso da OAB Manhuaçu, Wagner Alves Caldeira, é preciso respeitar o desenvolvimento cognitivo de cada etapa da vida, tendo em vista que uma criança não tem discernimento do que é um namoro. Por isso, a campanha tem o objetivo de estimular o debate sobre os riscos da erotização precoce, e que peso dar às conversas das crianças sobre o assunto e que consequências pode haver sobre a antecipação à infância de uma situação que se manifesta na adolescência.

Segundo Wagner Caldeira, quando a criança começa a andar, a falar, a conhecer o mundo e, principalmente, o outro, passa a querer fazer o que todas as outras pessoas ao seu redor fazem. Andar de salto alto, passar maquiagem, usar o celular, dirigir o carro da família, e namorar está na lista. “Mas, assim como ela não vai pegar a chave e sair com o carro da garagem, não vai namorar, claro. Criança não namora. Tem amigos. Não dá para comparar o que os pequenos chamam de namoro com o relacionamento dos adultos. Sim, as crianças estão cada vez mais expostas a mensagens inadequadas para a idade delas, a cenas com conteúdo sexualizado. Mas não adianta desligar a TV na hora da novela se você não sabe preservar sua intimidade. Pai e mãe podem demonstrar afeição, mas nada de namorar na frente do filho”, enfatiza.

“O relacionamento das crianças, não tem de ir além de querer ficar perto e brincar. Quando a coisa passa do limite é que os pais e professores precisam interferir. Para que o desenvolvimento da criança siga um curso adequado, os adultos precisam estarem atentos as mudanças, diz presidente da Comissão dos Direitos da Criança e Adolescente e do Idoso. “Cabe aos pais, responsáveis e professores explicares aos filhos que gente pequena não namora, mas tem amigos, gosta e sente carinho por eles. Namoro mesmo, só depois de grande”, enfatiza.

Antes que se diga que a ação é mais um excesso de patrulha politicamente correta sobre uma brincadeira inocente, Wagner Caldeira dá a sua opinião. É claro que os pais não fazem de forma consciente para prejudicar o filho, mas tem efeitos negativos, porque cria expectativas que a criança não tem condição de lidar”, afirma. Para o especialista, simular compromisso entre duas crianças, além de não ser saudável, traz malefícios para o desenvolvimento infantil. “Às vezes, crianças de 2, 3 e 4 anos se comportam como as de 6, 7 e 8 anos. E a família acompanha, acha legal incentivar certos comportamentos que a criança ainda não tem maturidade para ter. É preciso muito cuidado ao incentivar a descoberta da sexualidade, para não se tornar algo prematuro. Tem idade certa para tudo”, avalia.

Apesar de ter um componente cultural forte, a necessidade de um relacionamento desde cedo não pertence mais a nossa sociedade. “Antes, os casamentos eram arranjados, mas, agora, crianças de 12 anos não se casam. No entanto, continuamos repetindo esse velho discurso. A erotização precoce favorece a exploração do indivíduo no futuro e, inclusive, contribui para manter a criança em situação de abuso sexual, que é também psicológico e moral. Quando os adultos fazem isso, constrangem a criança ou o adolescente com esses comentários”, pontua.

Direcionamento

02A psiquiatra da infância e adolescência Luciana Nogueira de Carvalho discorda apenas da conotação moral do tema e da chamada “nem de brincadeira”. De acordo com ela, “é no brincar que a criança elabora as coisas, e a questão fundamental é a orientação para que a criança possa, sim, saber quando um adulto toca seu corpo de maneira inadequada. O brincar é extremamente saudável e um processo necessário. É preciso deixar os filhos serem crianças e dar um basta na erotização precoce dos dias atuais”. Mas para a psicóloga, o mérito da ação é trazer o sinal de alerta para os pais. “Ela (a campanha) denuncia não só a erotização precoce, mas a atual dificuldade de comunicação entre pais e filhos em tempos de internet. Os pais estão assustados com a vulnerabilidade dos filhos diante do risco ao qual ficam expostos nas redes sociais. Mas é preciso compreender qual a responsabilidade deles nesse processo”.

Segundo especialistas, vestir ou produzir uma criança como adulto é arrancá-la do ciclo natural das coisas e mergulhá-la no universo adulto. Os resultados podem ser os piores possíveis: desde transtornos de ansiedade e depressão até comportamentos carregados para a adolescência, como agressividade e insegurança. “Os pais precisam deixar que a criança viva a infância livremente e se conscientizar de que os filhos não são adultos em miniatura. Muitos pais e mães pensam que sim e transformam as crianças em pequenos trabalhadores, cheios de tarefas a cumprir. Muitas meninas, antes dos 10 anos, já frequentam salões de beleza e precocemente limitam o tempo do brincar. Assim, ocorre uma inversão do que seria considerado próprio de cada etapa do desenvolvimento”, pondera a psicóloga Luciana Carvalho.

Achar “bonitinho” o namoro entre crianças volta a ser destaque nessa discussão, pois elas não estão familiarizadas com o significado de um relacionamento afetivo, o que pode causar danos. “O que vejo na clínica é um adoecimento que poderia ser evitado caso as crianças brincassem mais”, avalia Luciana. A fotógrafa Ana Paula concorda. “Acredito que seja prejudicial e que cause dano para as meninas, principalmente. A gente se acostuma a ser um troféu porque é muito comum o menino ter três namoradinhas e isso ser ‘lindo’, enquanto a menininha não pode namorar ninguém. Mulheres são exclusivas, de um só, e crescem sendo um troféu e isso vai sendo impregnado nas garotas desde cedo”, defende.

Danilo Alves – Tribuna do Leste

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