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Artigo: O homem do Biril

Chegara à tardinha. Tocou a campainha e, ao ser atendido, pôs-se a falar de seus problemas, que não eram poucos. E assim, de forma bastante ensaiada, começou: “Escuta aqui, seu moço. Você não quer morrer, não é?” Sobrevivendo a esse tipo de pergunta, que pode matar qualquer um de susto, respondi que não. E ele continuou: “Eu não vou mentir. Deus me livre de mentiras!”  Disse e ergueu os olhos para mim, para ter certeza de que eu lhe dava atenção e o merecido crédito. Então, prosseguiu: “Tomo remédios e o posto me dá oito tipos, mas tem um que ele não dá. E se eu não tomar esse remédio, moço, eu vou morrer! E eu não quero morrer… Você tá me compreendendo?” Essa última frase foi como uma pinça, capaz de remover qualquer pedrisco que insistisse em obstruir a boa ação, que se seguiria a tão pungente apelo.

Confiante, fitava-me e estava certo de que o samaritano que encontrara poderia ser o bom moço de quem tanto precisava. De minha parte, naqueles microssegundos que se passaram lentamente, pude observar o personagem que ali se encontrava: Um homem já afundado nos anos, porém “sacudido”, como diria meu pai. Seus cabelos, brancos, se escondiam sob um gorro de lã. Usava uma espécie de alpargatas, mas estava de meias. Sua roupa era um agasalho de malha. Seu rosto, liso e redondo, não denunciava qualquer enfermidade, embora tentasse convencer-me de que estaria moribundo, despencando-se à cova.

Quis ajudá-lo, perguntei onde morava. Gaguejando um pouco, saiu-se com esta: “Ih, seu moço! Sou da roça, moro na Pamonha”.  Não conhecendo nenhuma “pamonha” diferente daquela que se faz com milho em palha, quis mais detalhes. Desconversou, voltando ao ponto de partida de sua prosa: “Não quero morrer. Ajude-me com uns trocados, pelo amor de Deus!” Quis ver a receita. Não a tinha. O nome do remédio? “Biril. Custa quatrocentos e cinco reais. O doutor me pergunta: ‘Como vai fazer pra conseguir esse dinheiro?…’ Eu falo que vou pedir esmola. E eu tô pedindo”.

O homem se foi sem as moedas que tanto queria, levando consigo apenas a promessa de que seria encaminhado ao Serviço Social. No bucho, um copo d’água e outro de leite, “bem gelados!” – conforme ordenara. E o remédio? Consultada a internet, verifica-se a sua inexistência.

Com certeza, o astuto senhor estará “birilando” boas almas por aí. Não mais por cá.

FILIPE

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