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32º DOMINGO TEMPO COMUM – 06/11/2016

PRIMEIRA LEITURA – Ap 7,2-4.9-14

Este trecho pertence à seção dos selos (6,1-8,1). O Cordeiro vai abrir os sete selos. Abre os primeiros quatro (6,1-8) que mostram a situação de calamidade do mundo. Depois o Cordeiro intervém para fazer justiça. Quem poderá resistir? Aqui entra o capítulo 7o como uma pausa para  reflexão em duas etapas.

A 1a etapa refere-se ao passado (vv. 1-8). Relembra o recenseamento do povo hebreu no deserto. Deus salva os que lhe são fiéis. A salvação é indicada pelo sinal na testa. O no 144.000 não é um número real, mas um número simbólico. Indica a totalidade perfeita. É o no 12 multiplicado por 12 e multiplicado por mil. Por outras palavras 12.000 de cada uma das 12 tribos quer indicar a totalidade perfeita dos eleitos.

A 2a etapa refere-se ao presente-futuro (vv. 9-17). É a salvação trazida pelo Cordeiro. Quem será salvo? Aqui não há simbolismo, portanto você mesmo pode responder. Está em Ap 7,9. Vamos citar o texto: “Depois disso, eis que vi uma grande multidão, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas. Estavam de pé diante do trono e diante do Cordeiro, trajados com vestes brancas e com palmas na mão”.

“Será que alguma religião pode limitar a 144.000 o no dos que serão salvos?” ”De pé”, “vestes brancas” e “palmas na mão” indicam a vitória dos eleitos, indicam a salvação trazida por Deus através do sangue do Cordeiro. Por isso todos cantam um hino de louvor ao Deus Salvador. Depois um dos anciãos vai esclarecer que os que estão trajados de vestes brancas são os mártires e os santos, os que sacrificaram suas vidas por causa de Jesus e seu evangelho de justiça. O Ap interpreta a caminhada cristã de todos os que lutam por uma vida de justiça e santidade. Nossos santos e mártires não derramaram em vão o seu sangue. O Ap mostra assim um clarão de glória, uma transfiguração, diante do Calvário da vida, dando incentivo, conforto e esperança para a comunidade perseguida.

 SEGUNDA LEITURA – 1Jo 3,1-3

A Bíblia de Jerusalém divide a 1a carta de João em 3 partes: 1a) Caminhar na luz; 2a)Viver como filhos de Deus; 3a) As fontes de caridade e da fé. Nosso texto pertence à 2a parte 2,29-4,6. A carta foi descrita por causa do movimento carismático que pregava uma doutrina diferente e um modo diferente de se relacionar com Deus. Este grupo não estava aceitando os ensinamentos da Igreja. Exaltava demais a divindade de Jesus a ponto de negar sua humanidade. Consideravam-se iluminados, íntimos de Deus, incontamináveis. A salvação para eles não provinha da morte de Jesus na cruz, mas de um conhecimento religioso especial e pessoal, portanto, uma conquista própria. Viviam de uma euforia religiosa, de um espiritualismo distante da prática da caridade, distante do próximo. Há muitos pontos de contato com os carismáticos de hoje! Serve de alerta! Este grupo foi exaltando por conta própria seus contatos com o Espírito Santo e acabou se separando da Igreja e seu ensinamento, tornando-se uma seita. O autor combate esta falsa doutrina, mostrando a realidade humana de Jesus e insistindo na prática da caridade.

O texto de hoje salienta a nossa realidade de filhos de Deus. Daí nosso compromisso com os irmãos. “O mundo” dos que não aderiram ao projeto de Deus combate os filhos de Deus como combateu o Filho: Jesus. Nós somos  filhos de Deus, mas ainda estamos dentro dos conflitos deste mundo mau. Nossa força é nossa filiação divina, mas o que seremos ainda não se manifestou, portanto não devemos cruzar os braços. Quando Jesus se manifestar no esplendor de sua glória, então sim, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é.  O que nos purifica e santifica é a esperança nele e no seu projeto de justiça e fraternidade. Resta lembrar que a esperança cristã não é de boca e sentimentos, mas de gestos concretos na luta pela justiça.

EVANGELHO – Mt  5,1-12a

O Evangelho de Mateus tem 5 grandes sermões. O 1o é o Sermão da Montanha (Mt 5-7). As bem-aventuranças são apenas o início deste grande sermão. A quem Jesus se dirige? Às multidões vindas de todas as partes constituídas na sua maioria por gente simples, pobre e marginalizada. Mateus lembrando que Jesus subiu ao monte, ele o apresenta como o Novo Moisés (Monte Sinai), inaugurando uma Nova Aliança sem fronteiras e constituindo um novo povo. A aproximação dos discípulos indica que não há mais distância entre Deus e o povo, não há mais mediação judaica. Agora não temos mais leis, mas propostas de felicidade para este povo empobrecido, aflito, amansado pelo poder e faminto. Jesus os declara felizes.

A 1a e a 8a Bem-aventuraças

       (v. 3 e v. 10)

Estas duas bem-aventuranças estão no presente do indicativo. O complemento das duas é o mesmo: “porque deles é o Reino dos céus”. Nem se trata de uma promessa, mas de uma constatação da realidade do povo. As outras trazem o verbo no futuro, indicando uma promessa (vv. 4-9). São praticamente explicações dessas duas. “Pobres em espírito” não significa apenas espírito de pobre; são pobres de fato, são os injustiçados, que buscam servir a Deus e não as riquezas, pois têm consciência de que não se pode servir a dois senhores. Servindo a Deus estão dispostos a partilhar a vida com os outros e viver a comunhão. Por isso são odiados e perseguidos, porque buscam a justiça do Reino que a sociedade estabelecida (ambiciosa e egoísta) rejeita e menospreza.

Qual é mesmo a situação dos pobres? (vv. 4-6) Eles são afligidos pela sociedade impiedosa e opressora, mas eles serão consolados. Eles são amansados pela tirania do poder, mas eles herdarão a terra. Pode demorar, mas a reforma agrária vai acontecer, pois é da vontade de Deus. Um dia os poderosos terão que ceder. Eles têm fome e sede de justiça, porque este é o alimento dos pequeninos do Reino de Deus.

Qual é a opção dos pobres? (vv. 7-9) Eles no fundo querem construir a nova sociedade projetada por Jesus. Eles buscam a misericórdia e a solidariedade, querem colocar os bens da criação à disposição de todos. Eles são puros de coração, ou seja, buscam uma conduta justa e íntegra, e justa sem querer se apropriar dos bens ou da vida do outro como fazem os poderosos. Eles promovem a paz, que é a plenitude de todos os bens para todos. Eles realizam o projeto do Filho. Eles são proclamados felizes por causa de tudo isso.

A última bem-aventurança (vv.11-12), retratando a situação concreta da comunidade de Mateus, mostra que ela é vítima de injúrias, perseguições e mentiras. Mas mesmo assim ela pode sentir-se feliz, porque a sua recompensa nos céus será muito grande.

Observação sobre a palavra “Bem-aventurados” ou “felizes”. Para falar de Mt 5,1-12a nós temos em todas as Bíblias a habitual tradução: “bem-aventurados” ou “felizes”. Às vezes ficamos desnorteados ou um pouco incomodados, quando ouvimos estas paradoxais afirmações de Jesus, as quais, realmente, fogem dos nossos desejos e ambições: “felizes os pobres”, os “aflitos”, “os que têm fome”, “os que são perseguidos”! Gostaríamos que Jesus falasse diferente. Mas queremos mostrar o profundo sentido destas afirmações, traduzindo o termo “bem-aventurados” ou “felizes” pela expressão que Jesus teria usado na língua aramaica (muito semelhante à hebraica do Antigo Testamento) que é “ashréi” que significa: “em marcha”. Tente o leitor reler as bem-aventuranças e no lugar de “bem-aventurados” ou “felizes” leia: “em marcha”; assim o leitor perceberá o sentido exato do pensamento de Jesus. “Em marcha” para onde? “Em marcha” para a felicidade do Reino, que Jesus prega, o reino, que, afinal, é a vida com o próprio Jesus, que “é caminho, verdade e vida”.

Porque São Mateus traduziu o termo grego “makárioi” = “felizes” ou “bem-aventurados e não o termo aramaico-hebraico “ashréi”, que Jesus teria dito. Este termo “ashréi” aparece 43 vezes na Bíblia hebriaca (confira por exemplo, naturalmente, em hebraico os Salmos 1 e 119). É verdade que a felicidade não está em ser pobre, aflito, perseguido, etc., mas na segunda parte da frase, ou seja, nas promessas de Jesus. Mas São Mateus usou a palavra de Jesus traduzida para o grego, porque tanto ele quanto os outros evangelistas, quando escreveram os evangelhos em grego, não consultaram a Bíblia hebraica, mas a sua tradução grega (feita por volta do ano 250 a.C.). Ora em Alexandria, no Egito, havia mais de cem mil judeus, que não sabiam mais o hebraico, mas só a língua grega, por isso, nessa época, a Bíblia hebraica foi traduzida para a língua grega, para que estes judeus pudessem se alimentar, também eles, da Palavra de Deus.

Como as filosofias da época ofereciam um ideal de felicidade, o judaísmo para não ficar para trás e afirmar também sua identidade própria e dizer que também o judaísmo traz o ideal de felicidade para os seguidores de Javé, traduziu a palavra hebriaco-aramaica “ashréi” (“em marcha”) para o grego, usando a palavra grega que é “makárioi” igual a felizes ou bem-aventurados, mostrando assim que todos os que quisessem seguir o judaísmo encontrariam também a felicidade. Como os evangelistas usaram a Bíblia grega, nas suas consultas para escreverem os evangelhos, eles traduziram “ashréi”, em grego = “makárioi”, por “felizes” ou “bem-aventurados”, pois “ashréi” também contém esta conotação de felicidade, uma vez que todos nós somos convidados a marchar em direção à felicidade do Reino de Deus (promessas da segunda parte das frases das oito bem-aventuranças no evangelho de Mateus).

Dom Emanuel Messias de Oliveira

Bispo diocesano de Caratinga

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